Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

sábado, 7 de maio de 2011

IRRESISTÍVEL PAIXÃO

Elmore Leonard é um dos mestres atuais do relato policial norte-americano. Um mestre também da literatura de fronteira, mais conhecida entre nós como "histórias de faroeste". Nos relatos ambientados no Oeste americano do século XIX, publicou algumas obras-primas, que figuram hoje no cânone do gênero, como os romances Hombre e Valdez vem aí, e os contos Os cativos e 3:10 para Yuma. No gênero policial, a lista de livros importantes é extensa, entre os quais se destacam Pronto, Cárcere privado, Ponche de rum e Irresistível paixão, cujo título original é o mais adequado "Out of sight". A trama põe em contato e sob o efeito de uma paixão irrefreável dois personagens antípodas: o assaltante de bancos Jack Foley e a agente federal Karen Sisco. Ao fugir da cadeia, Foley acaba encerrado no porta-malas de um carro ao lado de Karen. Os dois estão ali, lado a lado, braços e pernas que se tocam, o calor dos corpos se confundindo, e de repente descobrem que possuem um gosto comum: o cinema. Alguns filmes se destacam, entre os muitos que os dois comentam ao longo da narrativa: Três dias do condor, Bonnie e Clyde, Um assaltante trapalhão, Pulp fiction, Repo man, A morte num beijo, Estranhos no paraíso. Separados, não esquecem mais um do outro, mas sabem que qualquer união, por mais rápida que seja, é impossível. Ele praticamente estaria se entregando à lei, e ela seria acusada de colaborar com um criminoso procurado... Não há mesmo o que fazer quando o amor surpreende duas pessoas que não se encaixam. E é isso que Karen Sisco (personagem retomada mais tarde por Leonard no conto Karen namora) deixa evidente, no desfecho, embora de maneira indireta, metafórica: "Quero que saiba que acho você um sujeito e tanto. Nem por um minuto achei que fosse velho demais para mim. Mas tenho medo de pensar de modo diferente daqui a uns trinta anos". Irresistível paixão é um romance policial imprevisível e improvável, que Elmore Leonard parece ter escrito com a mesma paixão que consome sem piedade os personagens. Sabemos, no entanto, que não é assim. Às vezes, o texto espontâneo, que tanto fascinou o autor, não conquista os leitores; às vezes ocorre o inverso: o texto que exigiu esforço tremendo, a ponto de quase fazer o autor desistir de sua empreitada, recebe dos leitores um acolhimento caloroso. Não sei qual o caso deste romance; sei, porém, que, tanto pelo estilo (preciso, direto, repleto de citações cinematográficas, com poucas descrições de ambientes, mas ótimas análises sobre a vida cotidiana) e pelo assunto (o amor impossível entre seres que se acham em polos opostos da existência) é uma história arrebatadora, que não consegui largar senão ao virar a última página. E quem me conhece sabe que raramente faço isso: costumo economizar, durante a leitura, os livros que admiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belíssimo comentário. O livro me parece tão bom quanto a sua adaptação para o cinema em 1998, com o mesmo título e dirigido por Steven Soderbergh. George Clooney e Jennifer Lopez protagonizam, e acho que agora vale revisitar o filme, bem como, é claro, ler o livro. Aquele abraço.